A porção mais bela quanto a água e cidades ribeirinhas do São Francisco. Aqui, o rio é azulzinho e existem alguns morros ao redor. Para quem quer conhecer o lado histórico e mais propriamente turístico do Velho Chico, aconselho a ir para Paulo Afonso e de lá seguir Sergipe e Alagoas. Os lugares são inesquecíveis.
16ª Canindé de São Francisco – Canindé fica bem no alto de um morro e não tem muitos atrativos. Chegar ao Velho Chico implica em descer uma estrada. Lá foi onde vi as lavadeiras;contudo, agora elas lavavam a roupa em levadas d’água que foram formadas por um bombeamento através de ductos que sobem o morro. No final do dia em Canindé, subimos o morro após aproveitar a praia e pude assistir ao por do sol a beira do canal de água com o vento soprando forte. Foi muito gostoso.
A cidade é bem pequena e na nossa volta noturna encontramos uma movimentação perto de um grande circo armado. Quando chegamos ao local, um show: Alves Correia e as bundudas. Teoricamente seria um espetáculo circense acompanhado da divulgação do CD de forró do ex-político. Devido as vastas opções que tínhamos, acabamos indo ao show. Nunca fui fã de circos e este certamente foi o espetáculo mais bizarro que já fui. Piadas de humor negro com a população local e muito apelo sexual. Palhaço mesmo, era o que menos tinha. O show foi interessante, acho que principalmente para os homens, já que as 4 bundudas faziam a alegria do público. Realmente eram mulheres bonitas de corpo escultural. Valeu pela quebra na rotina.
No dia seguinte fomos a um passeio pelos Canyons do São Francisco no Xingó, por indicação de uma amiga psicóloga de São Paulo. Segundo o guia do barco, o maior Canyon navegável do mundo. Este foi o único passeio pago que fizemos durante a viagem. Quando chegamos no local de onde saia o Catamarã, eu me deparei com uma situação diferente: me senti à parte de tudo. Nunca me foi tão alheio um mundo do qual inegavelmente faço parte de algum modo. Olhava aqueles casais e famílias e não me encontrava em nenhum deles. Não me identifico com nenhum modo de ser daquelas pessoas e me senti deslocada e desconfortável.
Todavia, o passeio é realmente lindo e vale a pena pagar por ele. Após navegar um pouco, o barco pára no meio do azulão e os turistas nadam dentro do rio perto de algumas cavernas. Chegando ao lugar de parada, há uma imagem de São Francisco nas rochas; novamente me emocionei com a fé das pessoas. Durante o percurso, outra paisagem me prendeu: uma casinha isolada no alto do morro. Estas casinhas sempre me chamaram a atenção e, desta vez não foi diferente.
Conhecemos neste passeio um casal de amigos que estava a trabalho pelo interior levando uma programação de cinemas ao municípios. Este foi um trabalho promovido pelo SESC e o casal havia se conhecido na França. Os dois muito inteligentes e cultos. Tivemos conversas interessantes, mas ainda sim, não me conformo com a idéia de deixar o Brasil definitivamente. Ainda acredito que os profissionais qualificados deviam ficar para ajudar a construir melhores condições e valorizar o nacional.
Reparei que a própria desvalorização que estes mesmos profissionais sofrem, faz com que eles saiam do país em busca de reconhecimento e qualidade de vida. Entretanto, quando indagados acerca de seus esforços para com o Brasil, eles colocam que existe a possibilidade de ajudar o país estando fora dele, pois muitas empresas estrangeiras financiam projetos aqui. Particularmente eu não concordo com isso, pois a minha experiência me diz que o que precisamos é de pessoas dispostas e disponíveis a. E aí está a dificuldade: se disponibilizar para contatar o outro e escutá-lo, dar voz às necessidades deles ao invés de importar hábitos e necessidades. Eu acredito que isso é respeito e tenho certeza que é um desafio para vida toda.
17ª Piranhas – Descendo poucos quilômetros, fomos a Piranhas em Alagoas que é simplesmente uma pérola! Uma paisagem pictórica de cidadezinha colonial dependurada no morro enquanto rio azul corre por entre as montanhas. Sem dúvidas, uma das cidades mais lindas às margens do São Francisco.
Esta também foi por indicação de alguns caroneiros e de fato é gloriosa. Sabem uma cidade que foi construída subindo um morro? Esta é Piranhas Velha, que foi deixada um pouco de lado devido a construção de Piranhas Nova encima do morro. Isto se deve pela idealização de um projeto de barragem em Pão de Açúcar, outra cidade ribeirinha a poucos quilômetros. Caso isto acontecesse, a cidade seria inundada por uma represa. Desta forma, os habitantes de Piranhas construíram outra cidade a salvo da água. Como o projeto não foi concretizado (ainda bem!), a cidade antiga continuou a funcionar como pólo turístico principalmente. Perto dali, foi onde Lampião foi morto, na gruta de Angico. Na cidade há o museu de Lampião que, para nosso pesar, estava em reforma.
Acabamos não fazendo o passeio até a gruta, pois tentamos carona com um pescador e ele não ia pescar naqueles dias. Mas Piranhas ficou marcada como uma cidade linda, pequena e charmosa, ao som da escola de violão pertinho do rio que corre por entre os morros. Ele pode ser contemplado do alto de um mirante ou então no outro morro, onde se situa uma igrejinha. Na tarde que passamos na praia do rio, mais uma vez me percebi prostrada diante de uma casinha na outra margem do rio, já Sergipe. Lá estava um casebre no meio da terra seca.
Subimos o morro do mirante a noite para observar a vista e voltar a Piranhas Nova onde estávamos hospedados –obviamente, muito mais barato. Enquanto caminhávamos na escuridão, o Marcelo parou me perguntando de uma pedra laranja ao longe. Quando olhamos com mais atenção, lá estava a lua se erguendo laranja. Que emoção ver a Lua sendo confundida com uma pedra ocre... Apertamos o passo e fomos até uma casa em que se vendia picolé. Sentamos na calçada e saboreamos a Lua laranja com o picolé de goiaba.
No quartinho que ficamos em Piranhas os donos eram recém-chegados a casa e faziam questão de nos agradar. A mulher, uma professora no interior com uma menina e dois bebês gêmeos. Ficamos conversando sobre a vida enquanto lavava roupas e ela me contou de sua satisfação em lecionar na roça e sua vontade de terminar os estudos. É, ela não tinha terminado o ensino médio. Uma mulher encantadora e batalhadora. Após dois dias, acordamos cedo pela manhã para cumprirmos uma meta: chegarmos a Penedo.
18ª Arapiraca – Já tentando dar um salto até Penedo, sofremos um acidente de percurso: a carona mais perfeita (um caminhão de coco com água à vontade) que iria diretamente à Arapiraca – pertinho de Penedo, destino final do dia. Marcelo, na ânsia pelos cocos, pegou o canivete para os abrir e o objeto se fechou em seu dedinho. Não foi nada muito sério, mas no desespero do sangue, ele desmaiou e fomos a uma UBS logo no início da viagem. Vocês precisavam ver a cara do caroneiro... ficou super desesperado pedindo mil desculpas! Acho que ele não dará outra carona tão cedo...
Resultado: conversei com uma mulher em frente ao posto que ofereceu sua casa para passarmos o dia e a noite, se preciso enquanto ele se recuperava. Chegando lá, a casa bem simples sem água encanada. O Marcelo ficou descansando e por lá almoçamos. Enquanto ele se recuperava, fiquei a conversar com a mulher. Ela me contou das condições das pessoas naquele povoado de Piranhas, onde se vive em casas de pau-a-pique sem água e muitos noticiários vão mostrar a miséria. Lá, as pessoas vivem das bolsas do governo e cesta básica doada. Região paupérrima.... esgoto correndo pela rua e lixo por todo lado.
Estas pessoas precisavam se organizarem em programas de geração de renda, particularmente não acredito em assistencialismo. Diria que elas precisariam de uma organização para se identificar qual seria o potencial da região e delas mesmas, o que ocasionaria uma valorização de sua própria cultura e realidade, gerando uma atividade que gerasse renda, ao mesmo tempo sendo uma baita intervenção terapêutica. Realmente ser psicólogo por esta região está no entrar em contato e clarear demanda.... o resto está na articulação com governo e assistentes sociais. Como se falar em qualidade de vida, promoção de saúde para quem sequer tem o que beber e comer? Isso me fez pensar acerca dos limites e perspectivas profissionais.... Enfim!!! O Marcelo melhorou e fomos a Arapiraca.
Apenas passamos a noite por lá. O que foi muito bom foi finalmente encontrar verduras no supermercado. Vi um maço de espinafre e, apesar de caro, compramos para fazer uma boa sopa. Usamos o fogareiro com seu último suspiro e a sopa ficou ótima. Arapiraca é a segunda capital de Alagoas; ou seja, uma cidade grande. Já comecei a sofrer por antecipação o que seria minha volta à São Paulo e a rotina frenética. Mais uma vez tive a certeza que quero uma vida mais tranqüila e mais próxima a natureza.
19ª Penedo – Acabamos pegando uma van até uma cidadezinha próxima e paramos perto do trevo onde tentaríamos uma carona até Penedo. Um verdadeiro temporal começou a desabar e ficamos ilhados em uma padaria de esquina. Enquanto a chuva não parava, o “gostosinho” tornou a espera mais amena. Depois de algum tempo, seguimos na garoa até um ponto bom para carona.
Nestes momentos eu lamentava muito estar com aquela mala e invejava a do Marcelo, que tinha uma capinha que fica presa na parte inferior e você envolve toda a mala para não molhar... Felizmente conseguimos rapidamente uma carona com um homem e seu filhinho. Percebemos ao longo do trajeto o quanto Alagoas está dominada por plantações de cana-de-açúcar. Dizem que todas as plantações e usinas pertencem a umas 4 grandes famílias. Estas são as autarquias nordestinas...
Chegamos a cidade fantasma!!!! Essa foi a brincadeira com uma das cidades mais antigas de Alagoas – a Ouro Preto nordestina- abarrotada de casarões antigos e história. É uma cidade histórica muito bonita que já foi efervescente culturalmente (olha a riminha) mas que em pleno sábado a noite, as ruas estavam vazias. Talvez tenha sido pelo fato de outra cidade estar em festa... mas de qualquer forma, impressionante como me senti numa cidade fantasma de tão fazia que estava!
Em Penedo conhecemos uma das pessoas mais engajadas com a luta pelo rio São Francisco: Toinho, o pescador poeta. Fomos conhecê-lo pela indicação de uma amiga e outros que conhecemos em Piranhas. Ele é realmente fantástico! Falando sobre os impactos da transposição em relação a vazão de água, o quanto o rio está doente e sobre o assoreamento. Gente, é fato: assoreamento em todo lugar!! Desde Pirapora em Minas, até Piaçabuçu em Alagoas!!! Percebi que na divisa Sergipe/Alagoas, todo mundo fala de revitalização e é radicalmente contra a transposição, se referindo ao rio como "nosso rio..."
Toinho estava organizando um bloco de carnaval com uma marchinha contra a transposição, convocando o povo a luta. Declamou inúmeros versos acerca do Rio São Francisco, versos estes que se confundem com sua própria vida: uma pessoa que criou 9 filhos graças ao Velho Chico.
Nesta conversa, percebi uma coisa: qual era a parte que me cabia neste latifúndio. Qual era meu lugar nesta viagem e o quanto saber de onde se fala faz toda a diferença. Aquele homem vivia o rio e é esse o seu chamamento: compromisso com a sua própria existência. Isso é louco... e finalizou a conversa dizendo: "São Francisco vivo, terra, água, rio e povo". COMPROMISSO.
20ª Piaçabuçu – Acompanhamos a procissão fluvial e terrestre de Bom Jesus dos Navegantes em Piaçabuçu - mais uma comemoração típica da região. Após a procissão fluvial, a imagem é carregada por terra. Fomos seguindo junto com a população ao som de cantorias religiosas. A caminhada termina na Igreja com algumas leituras. Fazia muito tempo que eu não acompanhava leituras de textos bíblicos e foi marcante. Em sua mensagem, o padre proferiu paciência e esperança. Acho que realmente foram palavras pertinentes.
A noite aconteceria um show para fechar a festa. Fomos a praça e ficamos um pouco no primeiro show. Esperamos pelo forró que, pela demora, nos fez desistir. Voltamos para a pousadinha e fui dormir na esperança de conseguirmos carona para a foz do rio no dia seguinte.
Acordamos atrasados em relação ao horário combinado com o pescador. Fiquei extremamente preocupada com medo de não conseguir ir a foz. Para completar desabava um grande temporal e o Marcelo se gabava de já conhecer a foz de uma outra viagem dele. Temi não chegar lá. Felizmente, mesmo com a chuva, decidimos arriscar ir até o “cais” para tentar carona. O Marcelo se aproximou dos pescadores e começou a conversar. Conseguiu um que pediu que esperássemos. Com medo de não dar certo, ele falou com outro. Esperamos umas 3 horas e finalmente conseguimos a tão esperada carona. O dia era chuvoso assim como meu humor em relação ao fim do percurso.
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