segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A polêmica transposição na voz dos ribeirinhos

A princípio pensamos em entrevistar as pessoas para podermos escrever um artigo sobre o imaginário da transposição, ou algo parecido. Mas perdemos a vontade de realizar entrevista formal e deixamos tudo como conversa informal mesmo. O compromisso ficou com o relato.
Conversando com as pessoas sobre a transposição do Velho Chico, consegui perceber algumas coisas. Em Minas Gerais, existem pessoas que não sabem ao certo do que se trata a transposição, falando:”é, escutei alguma coisa sim...”. Quando perguntei dizendo que era algo como construir canais para levar água do rio até uma região seca no Nordeste, as pessoas diziam:”não vejo nada de mal nisso... aqui tem tanta água, não vai fazer diferença tirar um pouco”. Ainda em Minas, há quem pense que se a transposição fosse feita mais perto da cabeceira, isto poderia ser um problema:”se fosse aqui no começo, acho que o rio podia secar, mas já que é lá mais no final, não tem problema não”. Lembro que em Itacarambi, o guia das cavernas do Peruaçú se dizia contra, devido aos impactos ambientais e pelo fato do rio já estar muito poluído e assoreado. Lá também havia gente a favor devido ao projeto Jaíba da região, uma micro-transposição que, segundo a população, era uma grande benfeitoria naquele local. Só posso concluir que a maioria dos mineiros, contando com os leiteiros de carona, tinham mais argumentos a favor da transposição. Um deles, em Bambuí, dizia que seria uma boa obra se fosse para beneficiar as pessoas da seca. Mas que o problema era se esta água iria até estas pessoas.
Já na Bahia e em Pernambuco, notei quase que unanimidade a favor do projeto, contando que a seca era muito brava na região. Na Bahia ainda encontrei pessoas contra, principalmente perto de Barra onde vive o bispo da greve de fome. As pessoas clamam pela vitalização já mais ao norte bahiano e receiam que o rio fique mais seco com a obra. Outros argumentos que escutei na Bahia foram:”esta água é uma água que vai se perder no mar; então, porque não levar para as pessoas que tem sede?”. Já um argumento contra dizia:”se o rio é assim, segue este curso, então não devemos mudá-lo. Se fosse para ser de outra forma, ele não teria este caminho. Acho que o homem não deve mexer no que Deus fez”. Um paraibano que nos deu carona dizia ser a favor porque conhecia o homem que tinha escrito o projeto e já tinham muitos estudos sobre a transposição; desta forma, com certeza eles não fariam algo que prejudicasse a região, já que ele era “tão estudado”. Outra pessoa, no ônibus de Sento Sé a Sobradinho, contava que mesmo que a água fosse beneficiar os grandes latifundiários, o pequeno produtor também morava nestas grandes propriedades e, com a água, poderia ter a sua rocinha. Outro caroneiro foi reticente dizendo:”esta é uma obra eleitoreira como todas as outras. Tenho certeza que vão começar e nunca será terminada”. A líder regional do MST perto de Igarité se dizia “como movimento e pessoalmente” contra a transposição,haja vista que só iria beneficiar os grandes proprietários.
Na região mesmo da transposição, em Cabrobó, a seca é impressionante. Não dá para acreditar que as margens do rio é quase um deserto. Nesta região, principalmente com quem conversei em Cabrobó, todos discutiam a própria greve de fome do bispo, revoltados com tal atitude:”com tanta gente precisando desta água, vem este homem fazer isto para impedir”. Uma senhora dizia que ele esteve por lá fazendo greve e sabia que na realidade, durante a noite “ele tomava umas e outras”. Fiquei surpresa com estas colocações, mas sinceramente, entendo o porquê da população ser tão radicalmente a favor da transposição. Contudo, os índios reivindicam a divisão de terras e são contra a transposição, pela questão anterior de demarcação de território.
Já em Sergipe e Alagoas, difícil é encontrar quem seja a favor. É bonito de se ver como a população fala do rio e se envolve com suas questões, dizendo:”O nosso rio está morrendo... a balsa agora tem que dar a volta para passar, senão ela fica presa, de tão baixo que está o rio. Se acontecer a transposição, ele vai secar de vez”. Os pescadores também falam que já podiam pescar peixes de água salgada na região de Penedo ou antes, porque com a baixa vazão, o mar estava invadindo o rio. Por estas bandas, todos dizem “revitalização sim, transposição não”. Até mesmo vi alguns carros em Piranhas com adesivos escritos.
Da nascente em Minas até perto de Barra, a maioria é a favor, salvo exceções – geralmente pessoas mais engajadas com questões ambientais. De Barra até Sobradinho, as opiniões são mais heterogêneas e alguns já apontam para a questão da poluição das águas e assoreamento do rio. De Sobradinho até Paulo Afonso, a maioria é a favor, o que até atribuo a própria questão climática da região. Alagoas e Sergipe, a maioria é contra, ou não se pronunciam tanto sobre a transposição em si, mas falam em revitalização.

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